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■ 22/09/2016 • Sociedade • 2034 hits • 0 comentários ⇣
Opinião: Modo de pensar; aquilo que se pensa em relação a; julgamento ou ponto de vista: não tenho opinião sobre esse assunto. Demonstração de um pensamento pessoal em relação a; avaliação... (Dicio.com.br/opiniao).
Exercitar nossa opinião é um direito nosso de todos os dias. É uma das formas que temos de poder expressar nossos pensamentos e julgamentos independente da maneira como as pessoas vão aceitar. Quando opinamos queremos ser ouvidos, e gostamos, especialmente, quando as pessoas concordam conosco. Mas falar não é a única maneira de se posicionar. Escrever, após a chegada do computador e da internet, se tornou um meio de alcance mundial para isso. E as redes sociais online se mostraram um dos principais veículos dessa democratização, permitindo que, ao invés de nos mantermos simplesmente como espectadores da informação na web, nos tornássemos seus agentes, opinando sobre quase tudo o que lemos e vemos, e estabelecendo assim uma condição de empoderamento (sim, essa palavrinha chata da moda) para "pessoas comuns" como você, acredito eu.
A opinião se tornou uma coisa tão importante que as empresas passaram a abrir perfis nas redes sociais para manter contato com o consumidor (mesmo que algumas não gostassem muito disso e o fizessem só para não dizer que não o fazem) e identificar suas necessidades. Já existem sites que até pagam para que você opine sobre produtos para que eles possam comercializar sua opinião às empresas interessadas.
O Orkut - que nos dá a impressão de ter existido há alguns anos-luz - foi o primeiro veículo de troca de informação que permitiu que nós, brasileiros, experimentássemos como era reencontrar pessoas que não víamos há muito tempo, conhecer novas e emitirmos nossa opinião sobre as fotos e os textos postados em nossos grupos de relacionamento por estes antigos e novos amigos. Só para situar no tempo, Orkut e Facebook começaram em 2004, logo após o surgimento dos blogs, estes, que foram criados sem nenhuma utilidade aparente, mas que, sabiamente, por alguns iluminados, foram transformados em importantes fontes de notícias. E (que bom!) deixaram de ser aquele antipático cantinho de inutilidades onde se encontrava, nada mais do que postagens sobre a vida particular de pessoas carentes de alguma atenção. Para esses casos, um psicólogo seria de grande valia.
Ok, o Orkut era legal, sim. Tinha, além da possibilidade de reencontrarmos as pessoas, as comunidades. Estas, às vezes, também não tinham absolutamente nenhuma utilidade, como os primeiros blogs. Algumas serviam apenas para dizer que pertencíamos a algum tipo de linha de pensamento ou gosto particular sobre alguma coisa mas, mesmo assim, a gente se associava a elas. Outras comunidades eram, de fato, utilizadas para a discussão de temas. Conheci colegas que faziam bom proveito disso, o que eu, particularmente, nunca consegui. As comunidades do Orkut eram o equivalente das atuais fanpages do Facebook, que aparentam ser mais eficientes e abertas do que aquelas. Essa abertura, aliás, foi uma das características que fez o Facebook suplantar rapidamente o Orkut fazendo com que este declinasse em queda exponencial e expelisse seu último suspiro em setembro de 2014.
A rede, que chegou a ter mais de 30 milhões de usuários (segundo a Wikipedia), viu-os todos migrar para seu concorrente direto, mesmo tendo ensaiado uma reforma, só que aqueles, contudo, nunca mais voltaram. Para quem era novato no Facebook, como eu, ficou o incômodo de ter que reaprender a utilizar uma nova rede social, o que no início parecia bastante antipático. O simpático foi que essa readaptação foi apenas uma questão de pouco tempo. Logo os ex-orkuteiros se transformaram nos novos facebookers, ávidos pela troca de informação, por expor suas ideias e também... opinar! O Orkut "véi de guerra", antes de acabar, tinha se transformado em um repositório de cadastros de pessoas preconceituosas, racistas, e de outras ligadas ao terrorismo e, principalmente, aqui no Brasil, ao crime organizado e ao tráfico de drogas. Era hora de sair dali e migrar para uma rede onde a gente não encontrasse essas coisas, onde as pessoas fossem corretas, legais, sensatas, divertidas e - queríamos nós - impolutas e cheias de virtudes.
E não é que, para nossa surpresa, encontramos? Essa rede era o Facebook (era!). Uma rede com novo visual, com o botão curtir, com vários amigos já cadastrados e com vários outros amigos que ainda nem conhecíamos, mas, que, se eram amigos dos nossos amigos, seriam nossos amigos também. O Facebook era quase um conto de fadas digital. Mas o que parecia tão hospitaleiro começou a se desfazer quando o "Face" deixou de ser uma novidade e as pessoas relaxaram - como os namorados relaxam na casa das namoradas (com o consentimento dos pais) e ficam abrindo a porta da geladeira pra pegar cerveja (a essa altura, já meio suados e sem camisa) -, passando a interagir mais.
Logo as pessoas se sentiram livres para postar, desde links para matérias construtivas, quanto notícias políticas, imagens polêmicas, mensagens de autoajuda e até a foto daquela pizza deliciosa que prepararam pro jantar (e que, na verdade, foi comprada no delivery, mas que ninguém precisa saber). Isso é positivo. É legal quando as pessoas se manifestam, cada uma dentro da sua cultura e dentro de sua referência própria sobre o que elas entendem como importante. Mas a partir destas postagens, eram feitos comentários, como hoje se faz, sendo muitos positivos, outros nem tanto e, por vezes, acompanhados de cliques no botão curtir. Muito legal tudo isso, mas o problema é que nem sempre as pessoas concordavam, pois, é claro, nem todas pensavam da mesma maneira. Na verdade, ninguém pensa da mesma maneira em relação a todos os assuntos. Apenas há uma grande gama de concordância pelo fato de que partilham de princípios parecidos e acabam combinando em vários pontos, o que é normal, principalmente quando acontece entre amigos, mesmo virtualmente.
Mas o Facebook tem uma maneira de compartilhar as informações de forma mais aberta, portanto, outras pessoas, além de amigos com ideias afins, também podem ver e comentar nossas postagens. Como a internet sempre nos sugeriu uma ideia de anonimato e de imunidade (afinal, ninguém poderia invadir nosso monitor e nos dar um murro pelo meio das ventas, como acontece nos desenhos animados), sempre nos pareceu natural a noção de que podemos nos expressar como quisermos, o que inclui sermos ríspidos, grosseiros e até agressivos quando nos der vontade, o que não é difícil de acontecer, principalmente quando não conhecemos as pessoas que criticamos, pois o que sabemos a seu respeito é apenas o que elas acabaram de postar. Nessas situações, a gente sempre deduz que se a pessoa discorda em um assunto, ela discorda da gente em todos os assuntos, portanto, coisa boa ela não é.
Na verdade, a postura agressiva, não ficou restrita às redes sociais, mas qualquer site de notícias que permita comentários também virou alvo da sede de revanche dos internautas inconformados com qualquer um que tenha pensamentos divergentes dos seus. Para uma postagem, chovem comentários revidando. Ficou fácil ser rebelde. Ficou fácil ser justiceiro e dizer o que é verdade, apoiado, às vezes, em interpretações puramente particulares, sem nenhum embasamento concreto. Mas a gente consegue entender também que o stress do nosso dia a dia e toda aquela gama de informação relacionada às distorções sociais, nos faz ficar meio indignados, com sede de "justiça" e querendo resolver os problemas à nossa maneira - mais ou menos como já acontecia na vida real. É como se essas coisas, aliadas à internet, tivessem nos dado um poder e uma autorização para vingar.
O curioso é que, praticamente todas as pessoas, têm algum tipo de argumento para se contrapor, sempre calcadas em seus princípios e em sua formação. Como eu já coloquei lá em cima, não há problema em alguém se posicionar. O problema é a maneira como se faz. A todo momento fazemos nossas coisas baseados no que consideramos correto, o que inclui nossas discussões, e os fatores que podem interferir para a polarização dessas discussões são de origens diversas como a religiosa, a política, a moral, a legal, a pessoal, etc.
Contraditoriamente, um fator que deveria, em teoria, lapidar a pessoa para que ela se tornasse um ser humano melhor, nessas horas, parece não funcionar. É como ter um alguém religioso que não aceita alguém ateu ou de outra religião simplesmente porque não pensa igual a si e que, por isso, acha que eles deveriam queimar, por sua escolha infeliz, no quinto dos infernos durante toda a eternidade.
- Cadê a iluminada capacidade de ser tolerante, de compreeder e aceitar nossas diferenças de humanos falhos, que não são deuses?
Ou no caso de um militante de esquerda que diz que prima pela liberdade e justiça social e que entra "de voadora" numa discussão porque um outro internauta tem uma posição mais conservadora? Nesse caso, esse militante não estaria sendo autoritário e agindo exatamente como se faz nas piores ditaduras, mas sentindo-se remido pelas suas convicções?
- Cadê o direito de expressão alheio, por mais que se seja discordante?
O que eu também me pergunto, em virtude disso, é se o direito que eu tive de postar minha visão sobre um assunto dá a outra pessoa o direito de revidar, especialmente de forma grosseira. É como se eu dissesse "Eu acho o vermelho bonito" e aparecesse alguém criticando o porque de eu achar o vermelho bonito se o verde é que é muito mais legal. Não bastaria a outra pessoa dizer que prefere o verde? Porque necessariamente ela tem que se contrapor de forma agressiva à minha posição? Para colocar seu ponto de vista você, obrigatoriamente, tem que se posicionar contra o meu? Um não precisa existir necessariamente em função do outro.
Outra coisa que me intriga: nós estamos assim por causa da liberdade que a internet nos deu? Ou será que nós apenas estamos exteriorizando o que realmente somos (e o que sempre fomos) através deste novo meio que encontramos que são os blogs de notícias e as redes sociais? Não, nós seres humanos não somos terríveis e nem repugnantes pelo simples fato de sermos humanos e nem porque discordamos. Somos apenas cheios de defeitos, mas que não percebemos muito porque o nosso defeito que parece claro para os outros, para nós parece apenas característica. E a redes sociais não são culpadas por nossas discordâncias, elas apenas permitiram um novo modelo de confronto, porque estes já aconteciam e continuam acontecendo em nossas casas, nos colégios, nos estádios, nas ruas, no campo, nas cidades e nas favelas.
Ataques terroristas, brigas entre torcidas, desavenças entre marido e mulher, bullying entre crianças, envenenamento de animais, discriminação racial, assassinato por diferenças de sexualidade são alguns exemplos dessa malquerença generalizada que são praticados por nossa espécie - e não escapam disto as pedradas às nossas opiniões nos sites e nas redes sociais.
Assim, acho que caímos numa armadilha, uma armadilha cheia de ódio (que só revisitando a história de cada um pra saber de onde ele veio) que, apesar do grande nível de conhecimento que a humanidade conseguiu alcançar, faz a gente se distanciar cada vez mais e, por tabela, faz com que criemos mais barreiras que evitam que nos compreendamos e consigamos aceitar o porque de nossos diferentes pontos de vista. Eu também já participei disso e me esforço pra perceber a tempo e evitar. E vale sempre frisar: a gente tem que se posicionar, mas é importante manter a cabeça fria para esquivar-se dessa contaminação revanchista. Se você entende isso, então seja melhor: coloque sua opinião, mas fuja dessa cilada do ódio, não deixe que esse excesso de intolerância manche sua imagem e crie discórdias desnecessárias. Se você se ocupar com outras coisas - que não apenas essas discussões rancorosas -, conseguirá ser mais produtivo e socialmente bem mais útil.
Palavras, pessoas e patrulhamento linguístico. Quem discrimina quem?