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  30/07/2017  •  Sociedade  •  4252 hits  •  0 comentários ⇣

A culpa é da sociedade!

Sociedade, na forma abordada neste artigo, é uma organização de seres humanos com interesses comuns, submetidos ao mesmo conjunto de regras e que mantêm (ou, pelo menos, deveriam manter) uma relação harmônica entre si. Mas, sociedade também está relacionada à ideia de um território, um limite geográfico dentro do qual seus integrantes se deslocam e se relacionam. Outrossim, pode ser entendida de outras formas, como as sociedades empresariais ou qualquer reunião de pessoas que se juntam por partilharem os mesmos interesses ou, ainda, aquelas compostas apenas por animais como as sociedades das formigas e das abelhas. 

Da sociedade fazem parte todos os indivíduos que moram nela, cada um com maior ou menor poder de influência entre si e, todos, de certa forma, possuem algum tipo de responsabilidade em como as coisas acontecem em seu limite. Quando um empresário cria uma firma qualquer, empregos podem surgir para pessoas que se enquadram nas necessidades dessa empresa e, quando um gari retira o lixo das ruas, ele se torna responsável por elas terem ficado mais limpas. Quando um grupo de pessoas faz uma manifestação, elas são responsáveis pela possibilidade de que alguma reivindicação se transforme num benefício real (ao mesmo tempo que podem ser responsáveis pelo engarrafamento do tráfego) e quando um cidadão comum dá uma modesta contribuição pecuniária (vulgo esmola) para uma pessoa em situação de rua (vulgo mendigo), ela está contribuindo para a manutenção da vida dele e, ao mesmo tempo, pode estar contribuindo para que ele nunca deixe aquela vida. O mesmo vale para quando uma criança estuda e tira uma nota boa na escola, deixando seus pais mais felizes, e para quando alguém se muda daquela sociedade e deixa algum tipo de lacuna que, talvez, nunca mais seja preenchida.

A sociedade é um entendimento nosso. Ela não nasce, não tem rosto e nem corpo físicos, não tem moradia e nem constituição fixa. Em um momento ela pode ser formada por mil pessoas, em outro momento ela pode ser formada por quinhentas ou duas mil. E nem todo mundo que transita nela é sua parte inerente. Turistas, por exemplo, não fazem parte da sociedade, pois apenas vêm e em outro momento vão, possivelmente, para nunca mais voltar. Quem faz parte de uma sociedade é quem mora nela. São os trabalhadores comuns, os empresários, os artistas, as pessoas de bairros nobres, as de bairros pobres, os moradores das favelas, os moradores de rua, os homens, as mulheres, homossexuais, heterossexuais, enfim, pessoas de forma geral, não importando o grupo social ao qual possam pertencer. 

A sociedade, mesmo não sendo um ente concreto, é uma organização em que se supõe ser possível lhe atribuir alguma culpa sobre alguma coisa. É como se nós, os indivíduos que a compõem, pudéssemos vê-la como alguém que cria desentendimentos e problemas sociais com os quais não temos nenhuma parcela de responsabilidade. Assim, para explicar os distúrbios sociais, dizemos sempre que são culpa da sociedade. 

Mas não é correto achar que todas as pessoas têm responsabilidade sobre tudo. Não dá, por exemplo, para culpar uma criança de cinco anos pelo desemprego de seus pais ou pelas filas nos supermercados, porém, cada pessoa que vive em uma sociedade assume aos poucos uma parcela de culpa sobre algo - umas mais, outras menos - porque é quase impossível residir dentro de um grupo de pessoas sem se relacionar com pelo menos uma delas. Nossas relações determinam passagens de informação, aprendizados, conscientizações, desconscientizações, mudanças de comportamento e variados tipos de transformação, seja nas pessoas, seja no ambiente em que se vive. 

Mas é certo que quando vivemos numa sociedade, fazemos parte dela. Não há como dizer que não. Contudo, quando atribuímos à sociedade a responsabilidade sobre as coisas que não concordamos, estamos, de certa forma, nos isentando dessa responsabilidade e repassando nossa culpa adiante. Isso é meio contraditório porque, como eu falei, ninguém pode ter culpa sobre tudo e, ao mesmo tempo, todo mundo tem culpa sobre alguma coisa. Não obstante, apesar de acharmos que, de fato, estamos inseridos na sociedade em que vivemos - como todo mundo -, no momento em que delegamos a culpa, falamos dela (a sociedade) como se não lhe pertencêssemos e ficássemos de fora apenas em posição de observação, julgando e traçando algum veredicto sobre o que vemos. 

Esse é o momento em que a sociedade deixa de ser um ente abstrato, intangível e sem forma, para se transformar num indivíduo, desconhecido, mas com poder para fazer todo o tipo de barbaridades. Assim, a expressão "a culpa é da sociedade" passa a fazer sentido porque, agora, podemos delegar a culpa do que condenamos a alguém aparentemente vivo e dotado de terrível consciência para o mal. 

Por outro lado se, ao invés disso, a gente achar que ela é uma composição de pessoas - e não um indivíduo -, então, estranhamente, ela passa a ser composta apenas por pessoas que não conhecemos. Nossos pais, nossos tios, nossos primos e irmãos, nossos amigos, nossos colegas de trabalho, inexplicavelmente, não fazem parte dela, além de pessoas como os moradores de rua, que se encontram em condições de vulnerabilidade e que achamos que devem estar sempre inseridos, paradoxalmente, em programas de inclusão social. "A culpa é da sociedade", mas apenas da sociedade composta por desconhecidos e por pessoas que não são dignas de nossa comiseração. O mesmo devem achar outros indivíduos que não conhecemos: como você, eles culpam a sociedade pelas coisas ruins que acontecem como se só nós - e não eles - fizéssemos parte dela.

Quando a gente atribui a responsabilidade sobre algo a alguém, isentamos a nossa. Mas, de fato, se esse alguém é o culpado, quem tem que ser condenado é ele, e não eu ou você. Da mesma forma, quando outorgamos essa responsabilidade à sociedade, isentamos os indivíduos. Assim, qualquer pessoa que possa ser percebida como alguém em condição de vulnerabilidade como habitantes das ruas, meliantes, grupos étnicos ou etários, ou quem quer que seja - e que, por incrível que pareça, também faz parte da sociedade -, é entendido como um agente que não foi capaz de cometer um delito por iniciativa própria. As circunstâncias o conduziram de alguma forma e não sua própria consciência. 

Quando se faz a presunção da isenção dessa consciência, por tabela se sugere que o indivíduo não é capaz de tomar decisões por sua própria inteligência. Assim sendo, nós, que temos uma capacidade de percepção maior e que culpamos a sociedade, é que temos condições de pensar, refletir e decidir corretamente. Os outros indivíduos não. Eles têm um potencial cognitivo limitado e isso faz com que sempre tomem decisões movidas pela conjuntura do momento. Isso quer dizer que, quando um indivíduo atenta contra si mesmo (mutilação, suicídio) ou contra os outros (roubo, agressão, estupro ou homicídio) ele simplesmente não teve capacidade de encontrar uma solução alternativa para o problema que o afligia. 

Mas antes que me crucifiquem, eu quero dizer que entendo que a conjuntura pode interferir, sim, no comportamento. Exemplo: uma pessoa que tenha fome e não tenha como conseguir alimento de uma forma honesta, pode querer assaltar. É a necessidade de sobrevivência impondo uma ação. Mas isso não prova que todas as pessoas são movidas pelas circunstâncias ou pela necessidade de sobrevivência. A gente vê todos os dias diversos tipos de delitos praticados por indivíduos de todas as classes sociais, mas ninguém diz que uma pessoa de classe média foi vítima da sociedade. Nunca procuramos nos informar sobre a história de vida dessa pessoa para sabermos se ela teve alguma carência ou foi submetida a algum trauma na infância, provocado por um motivo qualquer como um abuso sexual, e que tenha transformado seu comportamento. Simplesmente deduzimos que ela sempre teve uma boa vida e que, por isso, deve ser responsabilizada por todas as suas ações. 

Diferente das pessoas que entendemos estar em situação de vulnerabilidade, tratamos adultos de classe média, por exemplo, como plenamente dotados de consciência, e nem sempre isso é verdade. Já adolescentes, deduzimos que ainda estão em formação e, por isso, não são capazes de decidir e isso, também, nem sempre é verdade. Comportamentos estão mais ligados a um perfil pessoal, a uma maneira de enxergar as coisas e que pode variar por motivos diversos, não estando diretamente subordinado a faixa etária, poder econômico ou outra condição social. Mas vitimamos sempre que podemos e atribuímos a culpa dos erros alheios à sociedade, esse ser intangível, que não tem moradia, corpo ou sexo e que não pode ser visto, algemado ou preso, mas que é o culpado das diversas mazelas que atingem as pessoas que, supostamente, não tem capacidade de pensar e nem de se defender. 

Culpar a sociedade ou o sistema é uma maneira padronizada e até preguiçosa de dar um veredicto sobre uma situação delituosa ou de desfavorecimento. É como a gente se achar possuidor do conhecimento do mundo e querer definir que cada situação social determina um comportamento e ponto final. É a gente presumir que por estarem numa condição diferente da nossa, as pessoas não podem ter consciência e inteligência para pensar e chegar a conclusões similares às que chegaríamos (como se estivessem possuídas por algum tipo de sonambulismo). É sermos meio segregacionistas achando que estamos sendo humanistas. 

Quando alguém aponta uma arma para outro alguém, ninguém sabe ao certo os motivos que a vida impôs ou que decisões voluntárias levaram esse alguém a portar essa arma. Como eu gosto de dizer, "o homem é fruto do meio ao mesmo tempo que o modifica". Ele é sua vítima e algoz ao mesmo tempo. Quando os humanistas defendem pessoas, defendem justamente por causa de sua capacidade de ter inteligência e consciência de forma bem superior aos outros animais. Mas no momento que se isenta as pessoas da responsabilidade sobre suas atitudes culpando esta "terrível sociedade capitalista e cruel" se nega essa inteligência e se delega a essas pessoas - sem que seja percebido e querendo proteger - uma condição de inferioridade similar à dos animais - esses seres que os humanistas sempre colocam em segundo plano. 

Então, quando alguém fizer algo, certamente esse alguém terá consciência do que estará fazendo, independente dos motivos que o levaram a fazer. Mas se nós realmente somos frutos da sociedade, não me culpe por ter escrito um texto que talvez você não tenha gostado. Reclame com a sociedade. Certamente, a culpa é dela.


Referências (boas e não tão boas assim):

Libertarianismo - A culpa é da sociedade
Jornal O Diabo - A culpa é da sociedade
Estadão - Nem sempre a culpa é de toda a sociedade
JusBrasil - Criminalidade: De quem é a culpa?

Sempre Família - A culpa é da Baleia Azul?
Feminismo sem demagogia - A culpa é do sistema!



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